Wednesday, April 08, 2009

Technicolor I

Nas noites de insónias vestia uma gabardina cinzenta, uma camisa branca e umas calças pretas. Invariavelmente, fosse Inverno ou Verão. As noites eram sempre frias em Londres, nada semelhantes às da sua terra. Saía de casa para ir passear. Sentir o vento na cara. A noite a entranhar-se-lhe na pele, o escuro a condensar-lhe no corpo. Como uma camada invisível que o protegia da dor que a luz provoca nos olhos claros, nos seus olhos azuis. Regressado a casa, despia o casaco em cima duma das cadeiras da sala. Dirigia-se ao quarto e retirava da gaveta da mesinha de cabeceira a cassete já gasta, já antiga. Guardava-a ali para a sentir mais perto. Na esperança de que fosse possível à banda electromagnética emitir um qualquer tipo de vibração nocturna capaz de lhe imprimir o seu conteúdo na mente. De lhe mostrar o último Acto sem que para tal tivesse de o ver. Nunca conseguira ir além da primeira frase do terceiro e último Acto. Nas noites de insónias, quando regressava a casa coberto por aquela película que o protegia do sol, quando regressava a casa esperançoso de estar protegido de tudo o que o magoava. Nesses dias ia buscar a cassete, aquela gravação ainda a preto e branco, já gasta, à gaveta da mesinha de cabeceira. Colocava-a no vídeo. Sentava-se no sofá. Recitava durante sensivelmente uma hora e meia os dois primeiros actos em conjunto com os actores. Via pela enésima vez os mesmos movimentos. Todos. Via, por fim, Daniel a chegar a casa. A mesma casa onde se passava sempre, única e exclusivamente, a acção daquela história. A gabardina a ser gentilmente colocada com a mão direita na cadeira mais próxima da entrada de cena. O olhar curioso, amedrontado da personagem ao não encontrar a mulher na sala. O barulho da sola dos sapatos na madeira do teatro enquanto percorre o espaço que separa a sala da outra divisão daquela casa improvisada, do quarto. O som da música a fazer-se ouvir. Inconscientemente, começava de imediato a cantarolar a música “How can I go home with nothing to say? I know you’re going to look at me that way.” Sentia as primeiras lágrimas a condensarem-se-lhe nos olhos à medida que a música começava a tocar, que começava também a soltar aquelas palavras. Enquanto ficava cada vez mais estático a observar o olhar do actor a transformar-se à medida que se vai deixando perder nas emoções que afloram em Daniel ao se deparar perante aquele quadro a forrar o espelho antigo. E a primeira palavra.

DANIEL
Vens?

As lágrimas já completamente formadas na sua vista a ameaçarem cair. A começarem a cair ao som da resposta dela.

ANDREIA
Talvez...

A mão fazia-se velozmente ao comando do vídeo naquele momento. Stop! Sempre naquele preciso momento. Stop!

No comments: