(...)
‒ Foda-se! Não me deixes sozinho… ‒ disse entre dentes.
A mão a sentá-lo no sofá.
‒ Foda-se!... ‒ ainda mais baixo.
A recordação daquela noite há 20 anos na sua cabeça. Imaginou-se, de novo, a correr. A correr em direcção àquela parede de vidro. A sua queda lenta em direcção aos rochedos. A queda lenta com a cara cheia de vidros a cravarem-se-lhe ainda mais com o embate, a transfigurarem-no. E o mar a arrastá-lo. Carregou num dos botões do relógio enquanto elevava o braço ao nível da cara. A luz que irradiou daquele aparelho conferiu-lhe, de novo, um ar fantasmagórico. Apenas os seus olhos e nariz iluminados naquela sala, naquela noite. Quem espreitasse pela janela acreditaria estar a ver um fantasma. Eram três e trinta da manhã. Colocou a mão direita no braço direito do sofá. Colocou a mão esquerda no braço esquerdo do sofá. As mãos a fazerem força no sofá para se levantar.
‒ Volta!…
Aquele último grito ecoou pela sala. Pelo ar. Pela escuridão. Fez força mais uma vez nos braços do cadeirão para dar impulso. Tomou balanço. Era fácil. Um pé à frente do outro e já estava. Um depois do outro. Não voltaria a ser infeliz. Não voltaria a sentir a dor do amor a transformar-se em ressentimento. Não voltaria a ficar sozinho, despojado do calor que lhe fazia não entrar em hipotermia sentimental. Conhecia aquela patologia demasiado bem para correr sequer o risco de padecer dela. Escolhia a rapidez, a instantaneidade da culpa a uma morte lenta e não menos dolorosa. Um pé à frente do outro e já estava.
Eram três e trinta e três da manhã.
Da tarde. Carla a não conseguir chorar.
No comments:
Post a Comment