Saturday, February 12, 2011

Viagens

Sinto-te como se nunca tivesses desaparecido. Sinto-te aqui, comigo. Em todas as decisões que realmente importam. Sinto-te.
Se dissesse isto em voz alta, julgar-me-ia louco. Mas dito assim, marcas no papel, soa menos mal.
A porta que não fechaste continua aberta esperando o teu regresso. Porque é que não fechaste a porta? Porque é que não levaste a chave e não a trancaste para que mais ninguém pudesse entrar? E têm sido várias as pessoas que vão entrando. E saindo. E todas elas deixam a porta aberta, inconscientes do que isso significa, inconscientes da felicidade que nos acompanhou. Quase sempre.
Nunca te tento substituir. Não podemos substituir quem nos viu crescer. Quem nos fez crescer.
Quando me deito. Todas as noites. Sussurro-te ao ouvido. Um som quase inaudível até para mim. Como se os lábios se limitassem a mexer com medo que alguém possa escutar as nossas conversas. Sinto as tuas respostas como se elas fossem de facto materiais.
De todos, só tu não me julgas. Nunca me julgas. Mesmo quando não concordas. Falas comigo, tentas levar-me até à tua perspectiva. Não me julgas. Não gritas. Não berras. Não levantas sequer a voz para fazer valer o teu ponto de vista. Explicas-me como se eu tivesse de novo 3 anos e quisesse ver a cidade lá em baixo. Agarras-me por trás. Dizes-me que não me posso empoleirar na tua grande janela. Que posso cair. E que cair pode ser o fim quando o cume é alto.
Dize-lo da mesma forma que me ajudas a levantar quando corro pelo jardim. Caio. Esfolo os joelhos. Já passou. Passas-me a mão pelo cabelo. Ensinas-me que cair também pode ser aprender. Aprender a não correr tão depressa. A olhar para os obstáculos. Ou simplesmente a levantar-me. A agarrar na tua mão para me levantar. Ensinas-me a fazer tudo sozinho sem nunca deixares de estar ao meu lado. Sem nunca esconderes a mão que pode tornar tudo mais fácil. Não porque não seja capaz, mas porque contigo tudo é mais fácil.
Recordo com os dias melhores em que tudo era fácil. Recordo que eram fáceis também porque tu os tornavas fáceis.
Não me sei a pessoa que querias que fosse. Mas procuro-a todos os dias. Procuro-a na perfeição que me ensinaste a desejar. Procuro-a nos valores que me ensinaste a perseguir. Não me sei não por achar que não a sou mas por desejar ser sempre melhor. Melhor Filho. Melhor Amigo. Melhor Homem. Melhor. Ensinaste-me a querer ser sempre melhor. E não me julgas quando o passo é para trás.
Se hoje estou aqui, a ti to devo. Pelas longas horas. Pelos passeios. Pelo prazer de abrir um livro acabado de comprar. Pelo prazer do cheiro que nos inunda ao abrir um livro acabado de comprar. Encontro-te a cada letra que escrevinho. Somos o triângulo perfeito. A santíssima trindade com vida pagã. Um bom vinho. Um bom cigarro. Um bom exercício literário. E em cada uma destas viagens o objectivo é apenas um. Melhor.
Sinto-te aqui comigo neste momento como em todos os outros. Sempre que defendo aquilo em que acredito. Mesmo que tu não acredites. Não me escondes a mão que me pode ajudar a levantar se a queda for pequena. E se olhar bem, posso ver que ambas estão em posição de me agarrar se a queda for demasiado alta. Se vislumbrares que o salto pode ser o fim.
De olhos bem abertos, vejo-te. De olhos bem abertos, acredito que os dias que dentro em pouco amanheceram podem ser ainda melhores.

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