In Between

Amanhã voltarei a escrever. Agarro no papel e na caneta. Enfio-me no carro. Chave na ignição. E o GPS mental programado para me aproximar da água.

Amanhã voltarei a perder-me. O olhar preso na margem de lá. Assente no banco, no chão, nos pequenos restos de rocha resultado da erosão natural do tempo. A água invadindo-me as narinas. Fazendo-me mergulhar numa história não minha.

Amanhã voltarei a embriagar-me. Lentamente deixo-me entrar no copo. Uma chávena pronta a ser saboreada, vezes e vezes sem conta até os sentidos dominarem a razão. O teu sabor se misturar com o meu sangue.

Amanhã voltarei a gritar. Abro bem a boca. Obrigo as cordas vocais a respeitar a minha decisão. O som como há muito não se fazia ouvir. A irracionalidade da ausência. Relembro-te desta forma enquanto me perco nos dias em que me deixava embriagar pela tua presença, em que escrevia para transpor a margem. Me sentisses mais perto.

Amanhã. Apenas amanhã. Hoje o dia ainda é teu. Hoje ainda agora começa. Hoje tem tantas horas pela frente quantas quiser ter. Hoje renasce a cada sopro do dia.

Um dia hoje não terá fim. Hoje é o dia.