Olá.
Apenas um olá.
Começo apenas por um olá porque é mais fácil não te nomear. É mais fácil tratar-te com a reverência que a distância permite. Não ter de te apelidar de amor, paixão, vida.
Porque te escrevo? Porque hoje acordei a pensar em ti? Porque nunca te escrevi. Nunca precisei de te escrever. As palavras sempre fluíram quando estávamos juntos. Sem a necessidade de portos seguros. De máscaras ou camuflagens ou subterfúgios. Sem medos. Sem medo que não fossem na medida certa, na consistência certa, no peso certo. Sem medo que a crueldade nos trespassasse e nos arrancasse do coração um pedaço que já não era meu nem teu.
Porque te escrevo? Porque ontem adormeci a pensar em ti? Porque não estarei a teu lado quando leres estas palavras. Não serei confrontado com a certeza de que não são na medida certa, na consistência certa, no peso certo. A certeza de que a crueldade nos trespassará e nos arrancará do coração um pedaço que é meu e teu.
Quando me perguntam o que nos aconteceu, encolho os ombros e sorrio. Sinto a ironia do destino apoderar-se de mim. Ao relembrar numa fracção de segundos o que nos juntou. Encolho os ombros e sorrio e respondo, parafraseando-o com uma daquelas frases que eu gostava de ter escrito: “Nada nos aconteceu. A vida aconteceu-nos.” Sinto-te ao meu lado como se naquele preciso momento alguém te perguntasse o que nos tinha acontecido e a ironia se apoderasse de ti ao relembrares o que nos juntou e tu encolhesses os ombros e sorrisses e o parafraseasses com uma daquelas frases que eu gostava de ter escrito: “Nada nos aconteceu. A vida aconteceu-nos.” A vida aconteceu-nos assim, de uma forma que nem eu nem tu sabemos explicar a não ser pela própria vida.
Há dias como os de hoje, como os de ontem, em que ainda sonho acordado. Sonho com tudo o que não tivemos. Com tudo o que sonhámos juntos. Juntos não, em conjunto. Sonho com as casas, com as viagens, com os animais, com os filhos. Sonho com os filhos que não vou ter contigo e a dúvida apodera-se de mim. Porque não sei se os quero ter com um outro alguém. Porque até aí a nossa sintonia se confundiu sempre com a fantasia. Sabiamos exactamente como os educar, a vida que lhes queríamos possibilitar, o amor que lhes queríamos dar. Os passeios, os jantares em família, as férias com os avós. Os nomes. Consigo imaginá-los a correr pela casa e tu a gritares por um e eu a gritar por outro e naquela fracção de segundos o estremecer de dúvida sobre se estaríamos na verdade a chamar um pelo outro. Os filhos que não vou ter contigo e não terei com um outro alguém porque estes eram nossos. Perfeitos. Nossos e não meus e de um outro alguém. Esses talvez venham a ser outros.
É o que mais me dói. É do que tenho saudades. Do tudo que não vamos ter.
Há dias como os de hoje, como os de ontem, em que ainda fecho os olhos para me enganar. Finjo que te ouço a meter a chave na porta de uma casa que nunca foi nossa, que te ouço entrar, que estás aqui. Que não me deixaste e que não seguiste em frente sem me levar contigo. Eu não te trouxe comigo. Não me arrependo de nada. Arrependo-me de não te ter trazido comigo.
Escrevo-te porque há algo meu que devia ter sido teu. Que nunca te disse, que nunca te dei, que talvez tivesse mudado tudo. Que apesar de não te poder impedir de caminhar para longe, te tivesse impelido a andar num círculo.
*
Um beijo,
Eu
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