Um dia perguntei-te se te podia retratar. Estendeste-me o carvão, que troquei por outro em forma de lápis, e a folha branca. Endireitaste as costas na cadeira, olhaste no infinito. Pedi-te para ficares mais descontraído, para me olhares nos olhos. Perdi-me no teu olhar sem fim. Levaste-me numa montanha russa de emoções, acima e abaixo, depressa e devagar. Levantei-me e abracei-te, num entrelaçar eterno, forte. Beijei-te a testa, regressei à cadeira que me estava destinada, perdi-me de novo no teu mundo interminável, uma falsa planície repleta de montes e vales que eu percorri, acima e abaixo, depressa e devagar.
Quando terminei, estendi-te a folha branca manchada pelo negro do carvão e pedi-te que lesses em voz alta. Olhavas-me com uma ternura assustada no final de cada parágrafo. Perguntaste-me se podias guardar o teu retrato, disse-te que ainda não. Agarrei numa das velas que tinhas espalhadas pela divisão, aproximei a folha branca e negra do lume e deixei que ambas as cores se misturassem em cinza. Guardei-as numa pequena caixa que tinhas numa das prateleiras na parede, entreguei-ta. Mais ninguém é digno de saber como te mostras perante mim.
Podia ainda hoje recitá-las, uma por uma, as palavras, quando te olho nos olhos, quando deixas que te olhe nos olhos, só a mim, daquela forma tão pura e permites que entre nesse teu mundo. Quando também eu for invadido pelo cinzento, deixa-me levar comigo aquela pequena caixa que eu retirei de uma das prateleiras que tinhas então na parede.
Deixa-me levar-te comigo.
Deixa-me levar-te comigo.
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