
Há livros. E depois há aqueles livros que enfiamos debaixo do braço e que podemos, virtualmente, ler em qualquer lugar num abrir e fechar de olhos, deixando-nos prender pelas palavras, deixando-nos levar pelo rio dos sentimentos que saltam daquelas páginas. Lisboa Song (António Mega Ferreira e fotografia de Amy Yoes) é um desses livros. Um diálogo entre palavras e imagens dá origem a um daqueles livros que se lê com um estalar de dedos, um daqueles livros que só verdadeiramente apreendemos com o tempo, com a leitura amadurecida desta ou daquela passagem.
Fica aqui a terceiro capítulo, parte, história, o que quiserem. Espero que possa abrir o apetite.
"Conta-me uma história, pediu-me. Ri-me. Conta-me uma história, disse outra vez. Apertou-me os dedos sobre o peito, pedia-me que lhe contasse uma história, eu cantarolei estava uma princesa debaixo de um laranjal, e ela, ansiosa, não, conta-me antes uma história, era uma vez um palácio, comecei, era um palácio novo, perguntou-me, eu tinha dúvidas que um palácio pudesse ser novo a não ser na nossa memória dele, ela queria uma história, e eu anunciara-lhe a história de um palácio, ela tinha os olhos fixos em mim, quem o mandou construir, foi um rei, sim, sim, diz-me se foi um rei, mesmo que seja mentira diz-me que foi um rei que o mandou construir, eu falava-lhe das mãos que o iam construindo, lanço a lanço, passo a passo, e ela insistia, foi um rei, sim, eu sei, foi um rei que mandou construir o palácio, o rei amava uma princesa bela como a lua, eu lembrava-me da princesa moura, mas ela dizia que não, a princesa era loura como todos os sóis, e o rei mandara construir aquele palácio interminável, sim, gritou, o palácio era interminável, havia portas que abriam para o céu e janelas escancaradas sobre o tempo, o rei queria que o palácio não tivesse fim, ele queria que a obra cantasse a insuportável dor de amar a princesa que era bonita como as estrelas, lembras-te, e eu disse que sim, mas talvez ela tivesse notado que alguma coisa viera instalar-se entre nós, então, ela parou, olhou-me durante muito tempo, disse, tudo te lembra sempre alguma coisa, não é, e eu soube que antes de tudo, mesmo que não fosse verdade, era a história do meu palácio que ela queria ouvir." (António Mega Ferreira)
Apesar de eu recomendar o livro na sua versão material, fica aqui a digital para aqueles que a queiram explorar.
3 comments:
ora quando é que esse pedaço de papel, letras e imagens atravessa a avenida para o outro lado? ;)
Ainda por cima é exigente... Não lhe chega a versão online... Devo dizer-lhe que as imagens são mais giras no computador (a qualidade da impressão não é lá muito boa)... Bom, acompanha-me na restituição de tapetes? Levarei o livro, nesse caso.
acompanho sim, se quiser, como é óbvio! ;)
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