Wednesday, October 15, 2008

Ondas

Fujo! Fujo porque sim. Não te parece uma boa razão? Podia ficar aqui parado, levar com as ondas de frente, estremecer um pouco, talvez mesmo até cair e levantar-me. Mas fujo. Fujo porque para lá das ondas há o oceano. E o oceano parece-me imenso e eu não consigo relativizar tanta coisa ao mesmo tempo. Por isso fujo. Fujo de regresso à terra, de volta a um porto que se quer um abrigo, ao abraço. Fujo porque do outro lado, junto ao horizonte, me aparece sempre a tua silhueta. Consigo nitidamente percepcionar a tua forma, os teus cabelos ao vento moldando a tua cabeça, os teus ombros, braços, mãos, torso, pernas, pés… E com o recordar do teu semblante sou inundado pela memória dos detalhes: o teu nariz, a cor dos teu olhos, o teu terno olhar, o teu pescoço, os músculos das pernas endurecidos quando me pegavas ao colo e me dizias baixinho que íamos ficar bem. E vem-me à memória coisas intangíveis como a tua sabedoria, a tua arrogância, a tua sensatez e delicadeza, o teu cheiro, o teu paladar, o teu toque que me fazia estremecer a cada abraço mais demorado. Por isso fujo. Fujo de mim porque não me consigo visualizar contigo. Fujo e corro para outro lugar onde a tua sombra se possa tornar cada vez menos nítida, confundindo-se com outras sombras. Onde te possas entranhar noutras pessoas para que eu vá reconhecendo pequenos pedaços de ti, pequenos coleccionáveis que vou tocando, apreendendo e deixando que se acumulem na epiderme, fazendo lentamente parte de mim. Fujo por não te conseguir apreender como um todo. O choque de te ter por inteiro é demasiado para o meu frágil coração sedento de emoções. Sinto uma estranha necessidade de viver, de te viver. Sinto-a como se o ontem fosse apenas uma miragem, um sonho perdido no passar das horas que te levaram para cada vez mais longe, cada vez mais para lá do horizonte. Largaste-me a mão e deixaste que aquela onda te batesse de frente, te enrolasse e fizesse dar voltas e te arrastasse consigo. Largaste-me a mão e ficaste lá longe esperando que também eu enfrentasse a onda que se seguia e me juntasse a ti. Largaste-me a mão e não percebeste que não seríamos mais arrastados pela mesma onda e que isso implicaria acabarmos em pontos diferentes do horizonte, pontos que de demasiado distantes jamais poderiam ser unidos. Largaste-me a mão e seguiste sozinho e eu fugi. Fugi porque sem ti não queria enfrentar as ondas e tu escolheste sofrer o embate sem mim. Fujo! Fujo porque sim, porque aquele outro caminho só significava enquanto me seguraste a mão. Fujo para me perder de ti e te voltar a encontrar e nessa busca me encontrar. Fujo de nós, de ti, em direcção a mim!

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