Fujo! Fujo porque sim. Não te parece uma boa razão? Podia ficar aqui parado, levar com as ondas de frente, estremecer um pouco, talvez mesmo até cair e levantar-me. Mas fujo. Fujo porque para lá das ondas há o oceano. E o oceano parece-me imenso e eu não consigo relativizar tanta coisa ao mesmo tempo. Por isso fujo. Fujo de regresso à terra, de volta a um porto que se quer um abrigo, ao abraço. Fujo porque do outro lado, junto ao horizonte, me aparece sempre a tua silhueta. Consigo nitidamente percepcionar a tua forma, os teus cabelos ao vento moldando a tua cabeça, os teus ombros, braços, mãos, torso, pernas, pés… E com o recordar do teu semblante sou inundado pela memória dos detalhes: o teu nariz, a cor dos teu olhos, o teu terno olhar, o teu pescoço, os músculos das pernas endurecidos quando me pegavas ao colo e me dizias baixinho que íamos ficar bem. E vem-me à memória coisas intangíveis como a tua sabedoria, a tua arrogância, a tua sensatez e delicadeza, o teu cheiro, o teu paladar, o teu toque que me fazia estremecer a cada abraço mais demorado. Por isso fujo. Fujo de mim porque não me consigo visualizar contigo. Fujo e corro para outro lugar onde a tua sombra se possa tornar cada vez menos nítida, confundindo-se com outras sombras. Onde te possas entranhar noutras pessoas para que eu vá reconhecendo pequenos pedaços de ti, pequenos coleccionáveis que vou tocando, apreendendo e deixando que se acumulem na epiderme, fazendo lentamente parte de mim. Fujo por não te conseguir apreender como um todo. O choque de te ter por inteiro é demasiado para o meu frágil coração sedento de emoções. Sinto uma estranha necessidade de viver, de te viver. Sinto-a como se o ontem fosse apenas uma miragem, um sonho perdido no passar das horas que te levaram para cada vez mais longe, cada vez mais para lá do horizonte. Largaste-me a mão e deixaste que aquela onda te batesse de frente, te enrolasse e fizesse dar voltas e te arrastasse consigo. Largaste-me a mão e ficaste lá longe esperando que também eu enfrentasse a onda que se seguia e me juntasse a ti. Largaste-me a mão e não percebeste que não seríamos mais arrastados pela mesma onda e que isso implicaria acabarmos em pontos diferentes do horizonte, pontos que de demasiado distantes jamais poderiam ser unidos. Largaste-me a mão e seguiste sozinho e eu fugi. Fugi porque sem ti não queria enfrentar as ondas e tu escolheste sofrer o embate sem mim. Fujo! Fujo porque sim, porque aquele outro caminho só significava enquanto me seguraste a mão. Fujo para me perder de ti e te voltar a encontrar e nessa busca me encontrar. Fujo de nós, de ti, em direcção a mim!
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