Chegaste de fininho, quase deslizando por cima do soalho, quase sem levantar os pés para que não te ouvisse aparecer por trás de mim, abraçar-me e beijar-me o pescoço. Era a tua recompensa por chegares mais tarde. Podes não acreditar, mas era o que mais amava em ti. Sentia cada um desses beijos como se fosse o último, como se o amanhã não fosse existir e te estivesses a despedir de mim. Sento-me todos os dias junto à mesma janela na esperança de te ouvir meter a chave à porta. Nunca te disse, mas sabia sempre quando estavas a chegar porque te esquecias sempre de não fazer barulho ao meter a chave na porta. Se me encontrava noutro sítio da casa ou entregue a qualquer outra actividade, agarrava rapidamente no livro e posicionava-me de frente para a janela. A nossa janela com vista para o Castelo de S. Jorge. E tu chegavas de fininho, quase deslizando por cima do soalho, quase sem levantar os pés para que não te ouvisse aparecer por trás de mim, abraçavas-me, beijavas-me o pescoço e sussurravas-me ao ouvido: “Lembras-te?” E eu respondia-te sempre: “Porque outra razão estaria eu aqui sentado?” E tu colocavas-te de cócoras à minha frente, passavas-me a mão pelo rosto e beijavas-me os lábios. Um beijo doce, puro, inocente como aquele primeiro que demos naquela tarde de inverno debaixo do chapéu-de-chuva e Lisboa aos nossos pés. E levantaste-me para que te pudesses sentar na cadeira e eu sentei-me no teu colo e aninhei-me no teu abraço enquanto me contaste o teu dia.
1 comment:
Um beijo,um abraço,um carinho...é mesmo o que resta no fim de tudo,quer na ficção,quer na realidade são essas pequenas lembranças que deixam saudade...e vontade de construir novas lembranças!Gostei mesmo muito do texto!
Post a Comment