Thursday, February 14, 2008

What a fuck!

Who the fuck are you? What the hell are we doing?
Ambas questões assombravam-lhe o pensamento, o espírito, a calma, o sossego daqueles dias, enquanto silenciosamente praguejava e lamentava o imediatismo que os avanços tecnológicos permitiam. Por breves instantes desejou recuar no tempo e sentir a adrenalina de correr até à janela e avistar o carteiro com a esperança de que trouxesse uma carta para si. Hoje em dia, as pessoas andam de telemóvel na mão à espera de uma qualquer mensagem escrita que pode chegar a qualquer instante. Na verdade, o sentimento transmitido pelo tocar do telefone deve ser semelhante ao da campainha que anunciava a chegada do carteiro.
Pensava, sentia em inglês porque lhe parecia menos agressivo. Na verdade, toda a vida lhe parecia mais fácil em inglês. Se soubesse francês, pensaria e sentiria em francês, ocorreu-lhe. Nunca gostara da língua, mas com o passar do tempo aprendera a apreciar a melodia, a deleitar-se com pequenas palavras ditas sorrateiramente ao ouvido, com a beleza, romance e sensualidade que transpira um simples Je t’aime. Na verdade, toda a vida lhe parecia mais bonita em francês.
“Em que pensas?”
“Desculpa, estava a dar uma espreitadela na televisão.”
Tinha-se esquecido que tinha uma câmara apontada à cara, permitindo ao seu interlocutor invadir os seus momentos de pausa na escrita, aperceber-se das suas hesitações, das suas reacções e até mesmo de quando o seu olhar ficava a admirar o infinito, perdido nos seus pensamentos, algo que acontecia com frequência, algo sobejamente íntimo e que raramente admitia. Tinha sempre uma desculpa na ponta da língua pronta a atacar quem quer que se apercebesse das suas breves grandes viagens para outros mundos e realidades. Aquela foi a melhor desculpa que arranjou. Apesar de a televisão estar desligada.
Retomou a agradável conversa. Partilharam mais uns sorrisos. Despediram-se até uma próxima oportunidade.
Questionava-se que género de relacionamento era aquele que a tecnologia permitia. Questionava-se se alguma vez seria capaz de estar sentado lado a lado com aquela pessoa, apesar de ser isso que a tecnologia permitia. Quebrar as barreiras espácio-temporais, possibilitar a partilha de pequenos momentos independentemente da distância física e temporal que separa as pessoas.
Até que ponto é possível conhecer alguém através de palavras habilmente calculadas, medidas, desprovidas de espontaneidade? Aplicou esta questão à sua vida, sabiamente premeditada, sempre controlada pela lei da causa-efeito, em que cada palavra era cuidadosamente pensada e todas as possíveis consequências milimetricamente analisadas e ponderadas, muitas vezes implicando uma mudança de rumo ou caminho sempre que se colocava a hipótese de estas não serem do seu agrado. Talvez não seja possível conhecer ninguém pelas palavras. Talvez seja preciso analisar o seu comportamento, o seu olhar, a forma como entoam, como escolhem essas mesmas palavras, os gestos que utilizam…
Sentiu-se um filósofo de segunda categoria por estar a deixar a sua cabeça ser inundada por tais considerações. O som de uma campainha fê-lo regressar à terra. Olhou para o monitor, de novo aquela janela. Não tinha sono, por isso voltara. E ele deixou-se novamente embrenhar no admirável mistério do conhecimento tecnológico, sem pensamento, sem questões, sem perguntas ou considerações, simplesmente apreciando a possibilidade de ter aquela pessoa ali, praticamente sentada numa cadeira, puff, ou sofá na sua sala, à sua frente.

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